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Desde 2022, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Recomendação n. 128, magistradas e magistrados de todo o país passaram a contar com um instrumento inédito: o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. Em continuidade aos esforços para aprimoramento da política, em agosto, o CNJ instituiu um Grupo de Trabalho (GT) para elaborar estudo das decisões cadastradas no Banco de Sentenças e Decisões com aplicação do protocolo.

O objetivo é elaborar um relatório com um diagnóstico e recomendações para o aperfeiçoamento do uso do material. O grupo, coordenado pela conselheira Renata Gil, é também composto por magistradas, pesquisadoras e representantes da sociedade civil. Elas também devem apresentar propostas de aperfeiçoamento do banco de sentenças e decisões, com foco na alimentação, organização, usabilidade e estratégias de divulgação do Protocolo nos tribunais.

Instrumento orientativo

Na prática, o Protocolo funciona como um guia. Ele não altera o mérito das ações, mas orienta os julgadores a observar como desigualdades de gênero e outros marcadores sociais podem influenciar processos. A intenção é fornecer instrumentos interpretativos que permitam julgamentos imparciais e livres de estereótipos e preconceitos, para assegurar que diferenças de gênero e suas interseccionalidades (raça/etnia, renda, orientação sexual, entre outras) sejam consideradas.

O documento propõe perguntas-chave e convida a ponderações: o depoimento de uma vítima está sendo descredibilizado por estereótipos relacionados ao gênero? A instrução do processo reproduz violências institucionais? Uma norma aparentemente neutra gera impacto desigual entre homens e mulheres? O protocolo também traz orientações sobre a identificação de desigualdades estruturais, a valoração de provas em casos sensíveis e a necessidade de medidas de proteção quando houver risco de violências.

Essas reflexões já estão presentes em decisões cadastradas no banco de sentenças e decisões com aplicação do protocolo. Desde a publicação do guia, o volume de documentos no repositório cresceu expressivamente. Em 2022, ano da recomendação, houve apenas três registros. Em 2025, o salto foi ainda maior, com a marca de 5.452 julgamentos com adoção da perspectiva de gênero. No total, o protocolo já alcançou mais de 14,4 mil decisões desde sua criação.

Atualmente, a maior parte das decisões vêm da Justiça Estadual, com 12.435 processos, seguida pela Justiça do Trabalho (686), onde são comuns casos de assédio moral e sexual, desigualdades salariais e de oportunidades no ingresso e progressão de carreira. A Justiça Eleitoral também figura entre os ramos com maior número de aplicações do protocolo, com 521 registros. O uso das orientações é comum em casos que analisam a legitimidade das cotas de gênero para candidaturas de mulheres, distribuição de tempo de propaganda e de recursos eleitorais, além de casos de violência política.

Aplicação e impactos do protocolo

O processo mais antigo registrado no painel desde a recomendação, julgado em 2022 no Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1), envolveu uma mulher indígena que perdeu o bebê no sétimo mês de gestação após falha no atendimento médico. Embora o caso não mencionasse diretamente o protocolo, a corte reconheceu a responsabilidade da União ao considerar a condição de vulnerabilidade interseccional da vítima – mulher, indígena e gestante – e determinou o pagamento de reparação do dano moral.

Outros julgados no banco destacam situações decorrentes, sobretudo, de violência contra a mulher. O tema mais recorrente é a prática de lesão corporal por violência doméstica, com 2.625 registros. Na sequência, está o crime de ameaça, com 2.160 decisões. Também ganha destaque o uso do protocolo em decisões que tratam do descumprimento de medida protetiva de urgência, com 1.062 ocorrências. Ainda que os temas que envolvam violência contra a mulher se sobressaiam entre as estatísticas, o protocolo também contempla particularidades de diferentes ramos da Justiça, abordando exemplos de questões e problemáticas recorrentes em cada segmento.

É o caso, por exemplo, da Justiça Federal, que conta hoje com 624 registros no repositório. O protocolo salienta que, no Direito Previdenciário, o substrato material sobre o qual essas normas se aplicam – e que dizem respeito, essencialmente, ao histórico laboral da vida das pessoas – manifesta a dimensão em que a desigualdade de gênero e raça se manifesta. Em decisão recente, a Justiça Federal no Ceará concedeu a uma trabalhadora rural a aposentadoria por idade.

No caso julgado, reconheceu-se que, embora não exercesse diretamente a atividade no campo, ela desempenhava funções domésticas essenciais para a subsistência da família. Ao ressaltar o protocolo, o juiz relator da decisão, Rodrigo Parente, destacou: “é certo que a autora não exerce diretamente a atividade rurícola, limitando-se a desempenhar tarefas domésticas de apoio aos integrantes do núcleo familiar (…). Historicamente, recai sobre as mulheres a responsabilidade pelas funções de natureza doméstica”.

Em decisão da 6.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), o protocolo foi citado em observância ao reconhecimento de sobrecarga de gênero. O autor da ação processou a ex-mulher, alegando sofrimento de dano moral por ter sido exposto na internet. A ré, uma mãe, publicou em perfil de rede social um desabafo alegando estar sobrecarregada pelos cuidados com o filho menor. “Os elementos de prova corroboram a tese de que a publicação se deu em um contexto de desespero e desabafo de uma mãe e mulher sobrecarregada com os cuidados com filho menor, a qual não excedeu os limites da garantia constitucional da liberdade de expressão”, pontuou a decisão.

Por CNJ