Para presidente do CNJ, combate ao racismo é desafio ético do Estado brasileiro
- Publicado: Sexta, 28 Novembro 2025

“O enfrentamento do racismo é um dos mais urgentes desafios éticos do Estado brasileiro e exige escuta. Nada pode ser formulado, desenvolvido e consolidado nessa área sem o protagonismo da população negra”. A declaração foi dada pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Edson Fachin, na abertura do “Seminário Movimentos Negros e Poder Judiciário: passado, presente e perspectivas”. O evento começou nesta quarta-feira (26/11), no Supremo Tribunal Federal (STF), e segue na quinta-feira (27/11) na sede do CNJ.
Segundo o ministro Fachin, enfrentar o racismo não é favor nem concessão ou bondade e também não é afrontar o princípio da igualdade. Para ele, é ato de reparação, compromisso constitucional, avanço civilizatório e combate às injustiças.
O ministro também destacou que o CNJ e o STF estão comprometidos com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e com a promoção do bem de todas e todos. Entre as ações nesse sentido, estão o Pacto Nacional pela Equidade Racial no Poder Judiciário, a criação do Painel de Monitoramento da Justiça Racial e a declaração, pelo STF, do estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário. Ele ressaltou também a aprovação, pelo CNJ, no dia 11 deste mês, de nova resolução que ampliou para 30% as cotas nos concursos para o Judiciário.
Fachin frisou, ainda, que o Poder Judiciário não pode ser neutro e deve reafirmar o compromisso com a promoção do acesso à Justiça pela população negra, com o fomento a políticas judiciárias que adotem a perspectiva racial e, ainda, com a capacitação de magistradas, magistrados, servidoras e servidores para o enfrentamento do racismo.
Também presente na solenidade de abertura, a ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Vera Lúcia ressaltou a importância do CNJ para alavancar ações políticas transformadoras no Judiciário, como a impulsionada pelo 1º Censo do Poder Judiciário, realizado em 2013. “O Judiciário vem imprimindo as mais notáveis proposições e transformações”, ressaltou Vera Lúcia.
A secretária de diversidade e inclusão do STF, juíza Franciele Nascimento, destacou que o seminário é um marco de diálogo e reflexão para uma das mais importantes lutas pela concretização da democracia, “a luta contra o racismo estrutural e institucional que violenta a população negra, composta por pretos e pardos”. Para ela, os direitos não são dados, são conquistas, e é preciso uma responsabilidade coletiva e constante com “nossos ancestrais e com os que virão depois de nós”.
Já a cocoordenadora do Núcleo de Pesquisa em História e Constitucionalismo da América Latina (Peabiru), Fernanda Lima, avaliou que o Brasil vive uma situação de democracia genocida que abriga, exatamente, o seu avesso. Para ela, esse seminário busca pensar as possibilidades de criar uma democracia que não atente contra as vidas das pessoas negras, e sim uma democracia que realiza efetivamente justiça. “E realizar justiça é necessariamente realizar justiça racial”, enfatizou Fernanda Lima.
Cotas
O primeiro painel do seminário retomou a trajetória da ADPF 186, que levou o STF, em 2012, a declarar constitucional o sistema de cotas raciais da Universidade de Brasília (UnB). A partir desse marco, Marcos Queiroz, cocoordenador do Peabiru, analisou a petição apresentada pelo Democratas (DEM) e ressaltou que compreender o caso é também compreender os impasses da democracia brasileira na última década. Na sequência, a juíza Adriana Cruz disse que o julgamento representou uma escolha constitucional determinante, mas chamou atenção para novas formas de desumanização que se disfarçam em práticas institucionais aparentemente neutras, reforçando a necessidade de protocolos de julgamento com perspectiva racial.
Abissalão Libaino, pesquisador do Peabiru, citou que o recorte racial das cotas gerou efeitos imediatos e mensuráveis no acesso de estudantes negros ao ensino superior. Encerrando o painel, Artur Antônio Araújo, coordenador-geral na Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), revisitou o clima polarizado do julgamento e ressaltou que a decisão unânime do STF reconheceu não apenas a constitucionalidade da política, mas a legitimidade e a urgência da pauta do movimento negro, “consolidando a compreensão de que justiça social no Brasil implica, necessariamente, justiça histórica e racial”.
Eleições
O segundo painel, dedicado ao tema “Agência Negra no Sistema Eleitoral: democracia e racismo”, contou com a mediação de Fernanda Lima. Rodrigo Portela, também cocoordenador do Peabiru, abordou a forma como o movimento negro tem mobilizado os espaços públicos para influenciar a transformação da jurisdição constitucional no Brasil, promovendo debates sobre nação, cidadania, democracia, igualdade e direitos fundamentais.
Em seguida, representando o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a conselheira Karen Luise afirmou que não há avanços na participação da população negra que não sejam resultado direto da atuação dos próprios movimentos negros. Ela lembrou que mais de 700 municípios não elegeram sequer um vereador negro e disse que o país só avançará na promoção da equidade racial com a participação ativa e o fortalecimento dos movimentos negros.
A advogada e pesquisadora Stella Trindade, do Peabiru, apresentou uma pesquisa que demonstra que os ministros do STF, em seus votos, não enfrentam diretamente o conceito de racismo. Para ela, é fundamental que o Estado brasileiro reconheça sua própria responsabilidade na produção e na reprodução do racismo vivido pela população negra.
Por fim, o advogado Irapuã Santana, da ONG Educafro, falou sobre o conceito de advocacia de impacto social, prática jurídica altamente qualificada a serviço da transformação social. Segundo ele, esse movimento já produz resultados concretos: no Rio de Janeiro e em São Paulo, o número de vereadores negros eleitos dobrou em relação às eleições anteriores, fruto da mobilização e do debate público.
Sobre o evento
Além de apresentar os resultados parciais da pesquisa desenvolvida pelo grupo Peabiru em 2024 e 2025, o evento reúne personalidades negras do Direito e da Política que atuaram diretamente nas ações analisadas. O objetivo é promover a discussão sobre o protagonismo negro na disputa por interpretações constitucionais.
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Fonte: Agência CNJ de Notícias











