Seminário destaca urgência de respostas do Judiciário ao racismo estrutural
- Publicado: Segunda, 01 Dezembro 2025

No segundo dia do seminário “Movimentos Negros e Poder Judiciário: passado, presente e perspectivas”, participantes ressaltaram que enfrentar o racismo exige reconhecer a violência institucional e a necessidade de respostas efetivas do Estado. A mensagem que marcou o início dos debates nesta quinta-feira (27/11) foi a de que vidas negras seguem colocadas em risco por estruturas que deveriam protegê-las, e que esse cenário só será transformado quando o diálogo com os movimentos sociais for tratado como prioridade.
A abertura do painel “Segurança Pública, Racismo e Mobilização Negra: avanços e desafios da agência negra na ADPF 635” foi feita pela secretária-geral do CNJ, Clara Mota. “Discutir a ADPF […] nos traz uma série de desdobramentos para os quais a gente precisa ter respostas. […] entender a nossa devida responsabilização não só no diálogo, como também nas ações”, afirmou a secretária-geral.
Para Clara Mota, o sistema de justiça deve ter um atendimento continuado às mães que tiveram seus filhos mortos em confrontos. “São mães que não encontram em seu território um apoio jurídico continuado. Para nós, sistema de justiça, fica uma mancha maior de que esses processos não chegam a termo, a gente não assiste à responsabilização, e acho que isso torna essa cruz existencial ainda mais pesada”, concluiu.
A moderação ficou a cargo de Adriana Melonio, juíza auxiliar da Presidência do CNJ, que reforçou a importância de uma atuação interinstitucional e da construção de políticas públicas a partir das demandas reais das populações negras. Segundo ela, esse diálogo é indispensável para compreender o que está em jogo. “O que a gente quer enquanto pessoas negras nesse país é viver”, declarou.
Advogada e pesquisadora, Anne Colnaghi apresentou recortes do estudo conduzido pelo grupo Peabiru sobre a atuação dos movimentos negros na jurisdição constitucional. Ela destacou que a resposta estatal à violência policial tem se concentrado na repressão e relembrou casos emblemáticos, como o da Favela Nova Brasília, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Já o advogado Gabriel Sampaio, da Conectas Direitos Humanos, afirmou que a resistência às decisões do STF no Rio de Janeiro, após recente operação nos complexos do Alemão e da Penha, expõe um capítulo decisivo do racismo estrutural no país. Defendeu que os movimentos de favelas apostaram nas instituições e, por isso, precisam de uma resposta compatível com a gravidade da situação.
Nesse sentido, a defensora pública Lívia Casseres abordou a relação historicamente tensa entre o movimento negro e o Poder Judiciário, marcada por desconfiança diante de decisões que, no passado, sustentaram a manutenção de desigualdades. Ela alertou para um momento de retrocesso, no qual avanços recentes em diversidade enfrentam resistências e pressões políticas, especialmente no campo da segurança pública.
Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Independente Mães de Maio, trouxe ao debate a perspectiva de quem perdeu um familiar nessas ações. Ela lembrou chacinas ocorridas em São Paulo e defendeu que o país precisa nomear a realidade da violência institucional para transformá-la. Além desses debates, também ocorreu o painel “Disputando os Sentidos de Racismo Estrutural: o movimento negro e a ADPF 973”.
Perspectiva jurídica
A cerimônia de encerramento reuniu pesquisadoras, magistradas e integrantes da advocacia pública para refletir sobre os caminhos abertos pelas mobilizações negras no campo jurídico. A procuradora federal Manuellita Hermes recuperou a história da judicialização da liberdade e ressaltou a importância da litigância estratégica como ferramenta coletiva, e citou as ADPFs 635 e 973 — esta última que busca reconhecer violações sistemáticas contra a população negra e propor medidas estruturais de reparação.
Juíza auxiliar no STF, Flávia Martins enfatizou a pluralidade dos movimentos negros e o contraste com um Judiciário ainda majoritariamente branco. Para ela, pessoas negras que atuam no sistema de justiça permanecem como “forasteiras de dentro” e ocupam espaços que seguem marcados por exclusão.
Juiz do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), Fábio Esteves defendeu uma reflexão mais técnica sobre o papel dos movimentos negros na jurisdição constitucional. Para o magistrado, ainda há um descompasso entre avanços pontuais e a dogmática tradicional, baseada em métodos hermenêuticos que pouco dialogam com as demandas raciais.
No encerramento do encontro, o professor Marcos Queiroz apresentou os fundamentos teóricos da pesquisa do grupo Peabiru. Ele propôs deslocar o foco da jurisdição constitucional dos votos e decisões para a participação da sociedade civil, especialmente dos movimentos negros, como produtores de conhecimento jurídico.
Sobre o seminário
O seminário, promovido pelo CNJ em parceria com o Supremo Tribunal Federal (STF), teve como objetivo apresentar os resultados parciais da pesquisa desenvolvida pelo grupo Peabiru, reunir personalidades negras do Direito e da política e discutir o protagonismo negro nas interpretações constitucionais.
Reveja o evento no canal do CNJ no YouTube:
Por CNJ











